Os desafios
1. O primeiro desafio que os jovens de hoje encontram no campo vocacional é a dificuldade de compreender o que significa “vocação”. Ficamos surpreendidos ao constatar os variados modos como é usado o termo vocação. Os jovens não poderão discernir sua verdadeira vocação, se não conhecerem o significado do termo, como é apresentado e ensinado pela Igreja. Talvez tivesse razão o filósofo que escreveu: “Uma das coisas difíceis na vida é descobrir o significado das coisas que são claras”.
2. Muitos jovens não vêem nenhuma diferença de significado entre os termos “vocação” e “carreira” (profissão); por isso, usam-nos como se fossem sinônimos. Não há que maravilhar-se, portanto, se chegam despreparados no momento de abraçar uma vocação por toda a vida. Por exemplo, muitos jovens consideram a vocação como um sucesso pessoal, e não receiam dizer qual o significado que eles lhe dão, prescindindo das palavras de Deus dirigidas ao profeta Jeremias: “Antes que fosses formado no seio de tua mãe, eu te conheci e te consagrei” (Jr 1,5). Palavras que fazem eco às de Jesus: “Não fostes vós a escolher-me, eu é que vos escolhi e vos constituí, para irdes e produzirdes fruto e o vosso fruto permaneça” (Jo 15,16). Portanto, nós não escolhemos a vocação como se fosse uma “carreira”, uma “profissão”; antes, como escreve o Papa João Paulo II em seu livro Dom e Mistério, “a vocação é o mistério da escolha divina”. Nossa obrigação é ouvir com humildade a voz de Deus, para sabermos o caminho pelo qual ele nos guia.
3. Outro desafio: falta de compreensão e de interesse em assumir as exigências e responsabilidades de uma vocação específica. Os jovens de hoje não dedicam muito tempo em refletir nos compromissos de uma vocação específica à qual foram chamados. Exemplificando: até que ponto os jovens que se sentem chamados ao matrimônio compreendem a profundidade do sacrifício que deverão fazer? Será que compreendem a necessidade da autodisciplina, da generosidade recíproca que devem ter, da abstinência ocasional que devem praticar? Além disso, muitos não mostram o mínimo interesse em melhorar o próprio conhecimento acerca das verdades que a Igreja ensina sobre a santidade do matrimônio. Normalmente, esperam até o último momento, depois freqüentam o curso, que embora o considerem uma necessidade, para eles se torna uma simples formalidade. Como podem, pois, conhecer as posições doutrinais da Igreja a respeito de anticoncepção e anticoncepcionais, preservativos, aborto, divórcio e outros ensinamentos referentes ao matrimônio? Pelo fato de não compreenderem e não vivenciarem estes ensinamentos muito antes da realização do casamento, muitos jovens fazem o juramento do matrimônio perante o altar, mas continuam a usar toda espécie de anticoncepcionais; este comportamento os leva depois a considerar que o seu matrimônio não é completo enquanto não nasce um filho, e que, portanto, muitos casos de divórcio são justificáveis e recomendáveis. Parece que esqueceram as sábias palavras de Jesus: “Quem de vós, querendo edificar uma torre, antes não se senta para calcular os gastos, que são necessários, a fim de ver se tem com que acabá-la? Para que, depois que tiver lançado os alicerces, e não puder acabá-la, todos os que o virem não comecem a zombar dele, dizendo: Este homem principiou a edificar, mas não pôde terminar!” (Lc 14,28-30). O mesmo se pode dizer da vocação ao sacerdócio e à vida religiosa. Embora o tempo de preparação ao sacerdócio seja mais longo, um bom número dos chamados só demonstra interesse para com os deveres do sacerdócio quando começa o ano de formação; outros, pior ainda, só no começo da filosofia... É um erro! Os jovens deveriam adquirir o hábito de estudar melhor os requisitos e as responsabilidades da vocação o mais cedo possível. Por que são tão desejosos de crescer no conhecimento em outros campos do saber e não no da vocação, que é o mais importante, melhor dizendo, indispensável? Isto eqüivale a ser perito no conhecimento dos aspectos do céu, mas ser incapaz de discernir os sinais dos tempos (cf. Mt 16,2-3).
4. A vida livre também impede aos jovens de fazerem o discernimento da vocação. Os jovens que não têm autocontrole e se abandonam a uma vida imoral, dificilmente podem ouvir o chamado divino. Conseqüentemente, temos jovens que vivem dupla vida: por um lado, vivem como pagãos a semana inteira; por outro, nunca faltam à Missa dominical. Para tais jovens, o Cristianismo consiste apenas na Missa dominical. Ora, para estes indivíduos é difícil enfrentar seriamente o problema da vocação. Mas, o que se esconde por trás desta fachada? Esconde-se sobretudo uma concepção errada e o uso não correto da tecnologia avançada de informação do mundo globalizado. Os jovens desperdiçam muito tempo em coisas tolas e triviais, que lhes impedem de cultivar os valores cristãos. Tudo quanto vêem na televisão torna-se para eles um atrativo a imitar. Carecem de uma apropriada formação familiar e agem de maneira dispersiva, à semelhança de ovelhas sem pastor. Não quero dizer com isso que os jovens chamados a seguir uma vocação sejam apenas os que vivem uma vida moral equilibrada; de fato, do tempo de Cristo até hoje, há casos de pessoas que foram chamadas quando ainda viviam no pecado; cito apenas dois exemplos: São Mateus (cf. Mt 9,9-13) e São Paulo (cf. At 9,1-20). Estes, porém, se converteram antes de seguir a sua vocação. E nós, ajudamos os nossos jovens a se converterem antes de darem uma resposta à vocação?
5. Outro desafio: a intromissão dos pais. É um fato que não deve ser ignorado, mas também não se lhe deve dar muito peso. Alguns pais desencorajam seus filhos quando se trata de seguir alguma vocação, especialmente a vocação sacerdotal. Seu profundo desejo de ter netos, os obriga a dizer a seus filhos que pensem duas vezes, antes de responder a uma vocação. No contexto africano, visto que os pais têm grande influência e a eles cabe dizer a última palavra sobre as decisões de seus filhos, este desafio se torna realmente difícil de ser superado.
6. Outro desafio nasce da desilusão provocada por aqueles que não são fiéis à sua vocação. O grande número de matrimônios rompidos e de padres escandalosos exerce um impacto negativo na vida dos jovens e, conseqüentemente, na escolha da vocação. Este impacto tem duplo aspecto: primeiro, deixa os jovens incertos quanto a seguir a mesma estrada; segundo, leva-os a formar esta idéia: o exemplo que vêem em seus predecessores é a única senda da vida; agir de maneira diferente seria inútil. Esta atitude, contudo, é uma fraqueza de jovens; de fato, eles podem sempre agir de maneira bem melhor, embora seguindo a mesma vocação. Podem sempre testemunhar, com palavras e fatos, que é possível viver uma vida exemplar.
7. Os que são chamados ao matrimônio encontram um grande desafio no flagelo da AIDS. Os jovens têm medo e receiam ser infeccionados pela AIDS. Este fato os faz submeter-se voluntariamente ao exame de sangue antes do casamento.
8. O pulular de seitas cristãs do nosso tempo constitui outro desafio. A grande variedade de seitas exerce um influxo negativo sobre a escolha da vocação. Antes de tudo porque são apresentadas continuamente novas verdades, que contrastam ou contradizem a fé católica no campo das vocações, especialmente da vocação sacerdotal. Muitos jovens católicos, com pouca formação, ficam confusos, sem esperança. Depois, há uma contraposição entre os jovens católicos e as seitas cristãs, que é negativa, por esta razão: o ensinamento católico enfatiza pontos diferentes dos que são ensinados pelas seitas. Tomemos o exemplo de uma jovem mulher católica, solteira, que convive com um homem casado e que segue uma destas novas seitas: será que os seguidores desta seita consideram do mesmo modo que nós, católicos, o comportamento pecaminoso? Não, certamente. Embora admitamos que muitas seitas condenam o adultério e a fornicação, a Igreja Católica, entretanto, se opõe mais fortemente e impõe penalidades para os que coabitam em semelhante situação. Em conclusão: aquela jovem mulher católica encontrará dificuldade em seguir sua vocação no matrimônio.
9. O último desafio, mas não o menor, surge dos conterrâneos, dos coetâneos e da sociedade em que vivemos. Muitos jovens não respondem à sua vocação, especialmente à vocação sacerdotal, por temer a opinião dos outros. Hoje, os jovens que falam de sua vocação ao sacerdócio, ou da vocação à vida religiosa, correm o risco de ser ridicularizados e desprezados. Visto que os conceitos de secularização e de materialismo penetram na mente de muitos, a vocação à vida religiosa é entendida de modo errado e alguns a consideram ultrapassada, fora de moda, no mundo globalizado em que vivemos! Estando as coisas neste pé, é preciso que os jovens que aspiram ao sacerdócio ou à vida religiosa tenham a possibilidade de receber uma formação adequada acerca do que é objetivamente justo. Os jovens devem ouvir com humildade o chamado de Deus. Antes de tudo, devem decidir-se a viver vida espiritual, porque não há vocação que não exija santidade. Devem rezar intensamente, porque somente Deus é o alfa e o ômega, a fonte de toda vocação, como afirma a carta aos Hebreus: “Ninguém se apropria desta honra; recebe-a somente aquele que é chamado por Deus, como Aarão” (Hb 5,4).
Conclusão
1. Para ser sincero, tenho o pressentimento de que o tempo presente, marcado pela confusão religiosa e pela obscuridade intelectual, seja um mal necessário. Não conseguiremos prestar nenhuma ajuda aos nossos jovens tão atribulados enquanto não começarmos a chamar as coisas com o seu verdadeiro nome, enquanto não assumirmos os conceitos no seu sentido genuíno e real. Se a Igreja, de alguma forma, quer ser visível, a ponto de influenciar a nossa sociedade juvenil, não pode simplesmente limitar-se a dizer aquilo que os outros já disseram antes. Uma Cristandade ou Catolicidade que se contenta em repetir as coisas à papagaio, não atinge os nossos jovens de hoje; é uma ação que continua a ser insignificante e superficial.
2. O Cristo dos cristãos é concreto, humano, é pessoa histórica: é Jesus de Nazaré (cf. At 22,7-8). Neste sentido, o Cristianismo baseia-se na história. A fé cristã é uma fé histórica. Temos a impressão de que os jovens deixam a Igreja porque lhes parece não encontrar nela este Jesus; eles o procuram por toda parte e, conseqüentemente, são atraídos por qualquer seita religiosa que mais fale dele. A lista dos que ignoram a própria Igreja mas amam o seu Cristo é discretamente longa. Estes jovens, muitas vezes, protestam contra o Cristo comum, de reboco, que se encontra nas Igrejas, mas que não sente dor e não sofre.
3. O objetivo que a Igreja deveria procurar atingir não é o desprezo das tendências destas seitas religiosas, e sim formar um ministério cristão independente e aberto a todos os homens que procuram a Deus. Devemos fazer isso com espírito de abertura mental que supere todo paternalismo de compromisso, com um espírito que substitua a crítica que fazemos aos outros pela crítica feita a nós mesmos, aceitando ao mesmo tempo tudo o que é positivo.
Em resumo, devemos lembrar-nos de que tratamos com pessoas que crêem e não com pagãos. Por isso, não deve haver nenhum contraste fútil ou estéril que possa aparecer como superioridade do Cristianismo. Deveria ser um encontro genuíno e produtivo no qual estas buscas pudessem produzir o melhor e mais profundo resultado. Não deveria haver absolutismo arrogante que não aceita nenhum outro direito, nem ecletismo frágil que aceita um pouco de tudo, mas um universalismo inato católico, que proclama a catolicidade, não como exclusivismo, mas como unicidade.
4. Finalmente, é muito notada a falta de uma espiritualidade cristã para os jovens, profundamente enraizada na tradição da Igreja, que apresente uma visão cristã da vida, capaz de formar os jovens de hoje que vão crescendo em maturidade.
Mons. Deogratias H. Mbiku
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