quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

VOCAÇÃO: UM CHAMADO, UM DOM, UMA MISSÃO!

Oi Filoteu!

Hoje te escrevo sobre um texto muito importante: A vocação dos primeiros discípulos. Lá na beira do lago, o Mestre passava e ao ver dois irmãos, os chamou. Os convidou a serem pescadores de homens. Mas, antes de tudo, estes homens deveriam segui-lo. (veja em Mt 4, 18-22)
ISSO! Antes de tudo seguir Jesus, não somente com as pernas, mas com a cabeça e o coração. Não somente por fazer parte de um grupo de oração, por estar engajado em alguma atividade ou comunidade da Igreja. Não somente por ter um dia ter recebido a ordenação sacerdotal ou ter-se consagrado a Deus. Tudo isso, está em função de uma vivência, de uma experiência, de um seguimento, de uma imitação. Seguir, dizia São João Crisóstomo, significa imitar. Pense! Vocacionado não tanto a ocupar cargos ou simplesmente exercer ministérios, mas como servos de todos, viver o que Deus nos pede, assumir uma missão. Digo brincando e falando sério que missão é aumentativo de missa. "Este é o meu corpo dado por vós. Este é o meu sangue dado por vós". É uma doação total, integral, radical, sem meias medidas. Foi assim que o Mestre fez e assim farão seus discípulos.

Olha Filoteu, pode tirar o cavalinho da chuva e até o jegue ou os bodes também se pensas que isso é utopia, ou é impossível. Vê só: aqueles pobres, reles pescadores, acho que nem sabiam direito quem era aquele rabi que passa e com uma autoridade vinda não sei de onde, com um fascínio enigmático e surpreendente, arrasta atrás de si aqueles homens mais acostumados na arte da pesca de peixes que no convencimento ou conversão de pessoas humanas. Bem que Ele poderia escolher uns letrados, uns fulanos mais espirituais. Caramba! Logo esses caras? Gente pobre, rude, tosca. Trabalhar essa turma deve ter sido osso! Não tinha gente melhorzinha para assumir os altos encargos de apóstolos? "Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento" (Rm 11, 29). E por que Jesus chamou esses e não outros? "Jesus subiu ao monte e chamou quem ele quis" (Mc 3, 13).

Olha Filoteu, não resisti à inspiração (acho que não foi tentação) de transcrever um trecho dos manuscritos autobiográficos de Santa Teresinha. Lê só quando comenta a vocação dela:

Antes de pegar a caneta, ajoelhei-me diante da imagem de Maria (aquela mesma que tantas provas nos deu das maternas predileções da Rainha do céu por nossa família), e lhe pedi que guiasse minha mão para que eu não escrevesse uma linha sequer que não a agradasse. Em seguida, abrindo o Evangelho, meus olhos pousaram sobre estas palavras: «Jesus, tendo subido a uma montanha, chamou a si quem Ele quis; e vieram a Ele" (são Marcos, cap. III, v. 13). Eis o mistério de minha vocação, de minha vida inteira, e, sobretudo, o mistério dos privilégios dispensados por Jesus à minha alma... Não chama os que são dignos, mas quem Ele quer, ou, como diz São Paulo: "Farei misericórdia a quem eu fizer misericórdia; terei compaixão de quem eu tiver compaixão. Desta forma, a escolha não depende daquele que quer, nem daquele que corre, mas da misericórdia de Deus" (Carta aos Romanos, cap. IX, v. 15 e 16).

A Teresinha arrasa! Ela captou a força da gratuidade da eleição que repousa sobre ela e sobre todos os escolhidos!
Eles, os discípulos, foram chamados, em primeiro lugar, para estarem com Jesus. Aqui está o coração de toda vocação cristã. Estar com o Mestre, viver com Ele, ouvi-lo, conviver com Ele, viver por Ele, n'Ele. Daí a importância de uma vida interior bem cultivada, bem alicerçada, daí a necessidade de VIVER DE DENTRO PRA FORA e não o contrário. Quando se passa a ocupar-se tanto nas obras do Senhor ao ponto de esquecer-se do Senhor das obras, corre-se o risco de viver como funcionários da Igreja que cumprem obrigações, arrastam-se atrás dos deveres e não missionários, evangelizadores convictos e entusiasmados.

Eu farei de vós pescadores de homens! Não podemos ser evangelizadores por nós mesmos. Não basta talento ou boa vontade, competência e eficiência. É preciso deixar-se formar por Jesus, aprender d'Ele. Quem nos faz pescadores de homens, é Ele. Claro, é preciso pescar, lançar as redes, acreditar, fazer nossa parte, mas sempre em parceria com Ele, no poder de sua Palavra, na força de sua graça e na unção do Seu Espírito. Vocação é isso: é chamado. A iniciativa é sempre d'Ele e ninguém pode mudar isso. Lembro sempre do que diz Nosso Senhor: "Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos designei para que vades e produzais fruto e para que o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo o que pedirdes ao meu Pai em meu nome ele vos dê" (Jo 15, 16).
A mediocridade é uma caixa de veneno na caminhada vocacional. O apelo divino se repete diariamente e diaremente a tua resposta não pode faltar. A resposta se traduz nas atitudes, nas escolhas, nas opções. Vocação não combina com fugas, desistências, desânimos. As provações, os desafios, as tribulações e tentações são oportunidades de crescimento e nunca um palco para fazer uma tragédia grega, cheia de um vitimismo patético e ridículo. Toda crise é um risco, mas é também uma chance, uma oportunidade, uma possibilidade que se abre. Para crescer, amadurecer, santificar-se. Uma coisa é certa: Não queiras as coisas pela metade. Sê todo em tudo o que fizeres, em tudo que quiseres, em tudo que pensares, em tudo que falares, em todo o teu ser. Sê todo ante o Tudo de Deus, ante o Todo que é Deus e diante de todos os homens e de todas as mulheres não te dividas. Sê todo em cada situação, em cada acontecimento. Não se fragmentam os que são inteiros. Esta unidade fará de ti uma muralha, uma fortaleza. Mas, esta unidade nunca acontecerá se tu não te unires 'Aquele que é TUDO, que foi todo do Pai e todo nosso, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Hoje a Teresinha tá com a corda toda!. Afinal, em termos de vocação ela é uma perita. De um episódio bastante curioso da infância, ela tirou um propósito de grande importância e que a fez voar com vigor na direção de Deus. Dou a ela a palavra:

Um dia, julgando-se muito crescida para brincar com boneca, Leônia veio procurar-nos a nós duas com uma cesta cheia de vestidos e de lindos retalhos para fazer outros; por cima estava colocada sua boneca. - "Tomai lá, minhas irmãzinhas, diz-nos ela, escolhei, dou-vos tudo isto". Celina estendeu a mão e tomou um pacotinho de alamares que lhe agradava. Após um instante de reflexão, estendi a mão por minha vez e declarei: - "Escolho tudo!" e apoderei-me da cesta sem outra formalidade. As testemunhas da cena acharam o caso muito justo, a própria Celina nem pensou em reclamar. (Aliás; brinquedos não lhe faltavam, seu padrinho cumulava-a de presentes e Luísa descobria meios de arrumar-lhe tudo quanto desejasse).

Este pequeno episódio de minha infância é o apanhado de toda a minha vida. Mais tarde, quando se me tornou evidente o que era perfeição, compreendi que para se tornar santa era preciso sofrer muito, ir sempre atrás do mais perfeito e esquecer-se a si mesmo. Compreendi que na perfeição havia muitos graus e que cada alma era livre no responder às solicitações de Nosso Senhor, no fazer muito ou pouco por Ele, numa palavra, no escolher entre os sacrifícios que exige. Então, como nos dias de minha primeira infância, exclamei: "Meu Deus, escolho tudo". Não quero ser santa pela metade. Não me faz medo sofrer por vós, a única cousa que me dá receio é a de ficar com minha vontade. Tomai-a vós, pois "escolho tudo" o que vós quiserdes!. . . "

Uma palavra que em termos vocacionais faz toda a diferença: a PERSEVERANÇA, A GRAÇA DAS GRAÇAS! Isso mesmo. É preciso insistir, persistir e nunca desistir. E a perseverança é uma conquista diária. Todo dia, a cada instante. A fidelidade é construida tijolo a tijolo, pedra sobre pedra. Não de uma vez, mas sempre um pouco. O ideal é grande, a eternidade compensa: e como! Por isso, lembro de um personagem do filme "Procurando Nemo". Lá a Doris, aquela "peixinha" que tinha um problema de perda de memória recente, deu um recado importante: Continue a nadar, continue a nadar, continue a nadar, continue a nadar,....
Vários anos atrás, quando estreava minha vida de seminarista (é o noooovooo!!!), fui a uma cerimônia de consagração de algumas religiosas. Lá entoavam um canto de entrada que nunca me esqueci. Se não me engano é da autoria do Pe. Zezinho. Uma reflexão vocacional primorosa e que deixo para ti:

A voz o meu Senhor/ feriu meu coração/ e me fez inquieto/ por meu povo e minha fé/ vesti sorriso e dor/ e me tornei cristão/ dividi meu teto/ com Jesus de Nazaré
Nesta santa mesa/ vim partir o pão/ corpo de Jesus/ meu Deus e meu irmão/ na Eucaristia vivo a minha vocação/

Se Cristo te chamou/ melhor é não fugir/ a felicidade é salário do servir / e quem disser um não/ à voz interior/ vai sentir saudades dos carinhos do Senhor.

Desejo-te uma feliz descoberta de tua vocação e se já escolhestes, desejo dias felizes (felicidade não quer dizer facilidade, viu?) com Jesus em tão grande projeto de vida. "E por esta estrada vai, vai e não voltes atrás mais e não voltes atrás jamais".

Um abraço e bênção.

Pe. Marcos.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

De onde vem a inspiração e o talento?

Todo dom vem de Deus. “cada homem é constituído “herdeiro” recebe talentos que enriquecem sua identidade” (cf. Catecismo da Igreja Católica art. nº. 1880).

Nossas habilidades fazem parte do que somos e por elas devemos produzir os frutos que expõem uma vida de busca a santidade. Temos como exemplo disso, a parábola dos talentos (cf. Mt 25) e também “a fé: se não tiver obras, é morta” (cf. Tg 2, 17). Como se não bastasse, ainda há alegria em desenvolver um dom através da possibilidade de servir aos irmãos. Pelas nossas capacidades, a felicidade acontece dentro dos nossos corações. Principalmente quando oferecemos algo por gratuidade “Serás feliz porque eles não têm com que te retribuir” (cf. Lc 14, 14).

Porém, diante de tantos desafios que temos na vida, em algumas fases, nos sentimos sem inspiração, mesmo naquilo que já praticamos há tempos.

Muitos, talvez nem comecem algo, pelo sentimento de medo em não ser constante essa fonte de conteúdo.

Quando Jesus encontrou-se com a samaritana a beira do poço, Ele lhe prometeu dar uma água viva. Isso diz do Espírito Santo, que quando habita um ser humano, é fonte inesgotável de graça, tanto para essa pessoa, quanto para aqueles a quem ele (a) levar.

“Mas a água que eu lhe der virá a ser nele fonte de água, que jorrará até a vida eterna” (cf. Jo 4, 14). Promessa do Cristo, que se cumpre quando a Água jorra do seu peito na crucificação (cf. Jo 19, 34). A Água do Seu coração é símbolo do Espírito Santo (cf. Catecismo da Igreja Católica art.nº. 694).

Esse Espírito Santo é também fonte de conteúdo para nossos dons. Pois “Deus age em todo agir de suas criaturas. E é a causa primeira que opera nas causas segundas e por meio delas: ‘Pois é Deus quem opera em vós o querer e o operar, segundo sua vontade (cf. Fl 2, 13)” (cf. Catecismo da igreja Católica art.nº. 308).

Concluímos então que, essa Água Viva, que vem de Deus, move também nossas habilidades, à medida que vamos nos dispondo. Nossa humanidade, firmada na força do Espírito Santo torna-se fonte inesgotável de riquezas.

Primeiramente, com o exercício, o talento torna-se mais apurado, desenvolvido. A cada dia de prática transpõem-se uma nova percepção de técnica, de zelo, maturidade e qualidade. Fica sendo possível trabalhar sempre melhor. Aperfeiçoar o nível inicial.

Depois. A experiência oferece a prática, intuição de novas opções e caminhos. A atividade contínua permite que o dom aflore sempre mais. Aqui, veremos que o talento maduro nos levará a querer dar um passo além, alcançar um patamar acima. Por exemplo: quando alguém que desenhou em papel (aperfeiçoou) e agora deseja pintar quadros. Quem cantou música popular (desenvolveu-se tanto) que agora pensa em estilo clássico.

Por último, se nos falta, a luz de uma nova criatividade, peçamos ao Espírito que venha como fonte de Água Viva. Ele é auxilio e distribuidor de dons.

Tudo o que Deus nos deu e constituiu, tem caráter de infinito. Somos um mistério insondável, por isso temos possibilidades sem fim. O que importa agora é começar!

Enterrar um talento é loucura. Dessa forma seremos infelizes e impediremos a felicidade de outros. Decidir não fazer, preocupando-nos com o futuro, sem a confiança de que não haverá inspiração ou os frutos não se multiplicarão, é agir como o homem que enterrou seu talento.

Seja ousado em Deus! Comece hoje o que Ele te pede, o amanhã e a continuidade da obra interessam ao Altíssimo, tanto quanto a nós.

Façamos a nossa parte no hoje. A inspiração futura, com certeza virá Dele.

Deus abençoe!

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Irmãs Franciscanas do Senhor, de Baependi, visitam a Casa da Mãe Aparecida

São muitas as congregações religiosas, devotos e instituições que tem Nossa Senhora Aparecida como referência de mãe e exemplo de discípula dos ensinamentos de Deus.

O Santuário Nacional recebe diariamente inúmeras romarias com este carisma. Neste sábado (1º) são as Irmãs Franciscanas do Senhor da cidade de Baependi (MG), que deixaram suas preces no altar da Senhora Aparecida, e participaram da celebração das 9h, no Altar Central.

As religiosas realizam um trabalho que vem ao encontro das obras realizadas por Francisca de Paula de Jesus, a Nhá Chica, que tem como intuito acolher os mais necessitados e ajudá-los em sua carência de alimento físico, principalmente proporcionar acolhida espiritual.

Segundo a diretora da Associação Beneficente Nhá Chica, Irmã Claudine Ribeiro, estar na Casa de Nossa Senhora no 1º dia do ano de 2011 é restabelecer as metas, ânimos e promessas para o novo ano.

“Esta é uma forma de buscar na Mãe de Deus bênçãos e forças para um ano de paz, harmonia e equilíbrio para trabalhar em nossa missão de evangelização”, disse a irmã.

Irmã Claudine completa que todo trabalho, seja em casa, na comunidade ou na Igreja, deve ser entregue nas mãos de Deus que é Pai e de Maria, que é mãe e intercessora.

“Quando a gente pede a benção da Mãe, a benção do Pai, então estamos saindo abençoados e o trabalho com certeza vai sendo feito com mais dignidade e certamente podemos colher os seus frutos”, afirmou.

* Processo de Beatificação - Ainda em vida, Nhá Chica passou a ser aclamada pelo povo como ‘a Santa de Baependi’, por sua fé e clarividência. Hoje é reconhecida como Serva de Deus, título que recebeu oficialmente da Congregação das Causas dos Santos do Vaticano, em 1991.

A causa de canonização de Nhá Chica está aguardando desde 2007 o anúncio de sua beatificação. No dia 8 de junho de 2010, o Vaticano, deu parecer favorável às virtudes da Serva de Deus Nhá Chica. Este foi mais um passo em direção à beatificação.

A próxima etapa deverá acontecer em breve com o estudo do milagre da cura, por intercessão de Nhá Chica, da professora de Caxambu, Ana Lúcia Meirelles Leite que sofria de problemas cardíacos.

Após aprovada nesta etapa, Nhá Chica pode receber o título de Venerável, estando assim mais próxima da beatificação pela Santa Sé

sábado, 1 de janeiro de 2011

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE BENTO XVI PARA A CELEBRAÇÃO DO XLIV DIA MUNDIAL DA PAZ

LIBERDADE RELIGIOSA, CAMINHO PARA A PAZ

1. NO INÍCIO DE UM ANO NOVO, desejo fazer chegar a todos e cada um os meus votos: votos de serenidade e prosperidade, mas sobretudo votos de paz. Infelizmente também o ano que encerra as portas esteve marcado pela perseguição, pela discriminação, por terríveis actos de violência e de intolerância religiosa.

Penso, em particular, na amada terra do Iraque, que, no seu caminho para a desejada estabilidade e reconciliação, continua a ser cenário de violências e atentados. Recordo as recentes tribulações da comunidade cristã, e de modo especial o vil ataque contra a catedral siro-católica de «Nossa Senhora do Perpétuo Socorro» em Bagdad, onde, no passado dia 31 de Outubro, foram assassinados dois sacerdotes e mais de cinquenta fiéis, quando se encontravam reunidos para a celebração da Santa Missa. A este ataque seguiram-se outros nos dias sucessivos, inclusive contra casas privadas, gerando medo na comunidade cristã e o desejo, por parte de muitos dos seus membros, de emigrar à procura de melhores condições de vida. Manifesto-lhes a minha solidariedade e a da Igreja inteira, sentimento que ainda recentemente teve uma concreta expressão na Assembleia Especial para o Médio Oriente do Sínodo dos Bispos, a qual encorajou as comunidades católicas no Iraque e em todo o Médio Oriente a viverem a comunhão e continuarem a oferecer um decidido testemunho de fé naquelas terras.

Agradeço vivamente aos governos que se esforçam por aliviar os sofrimentos destes irmãos em humanidade e convido os católicos a orarem pelos seus irmãos na fé que padecem violências e intolerâncias e a serem solidários com eles. Neste contexto, achei particularmente oportuno partilhar com todos vós algumas reflexões sobre a liberdade religiosa, caminho para a paz. De facto, é doloroso constatar que, em algumas regiões do mundo, não é possível professar e exprimir livremente a própria religião sem pôr em risco a vida e a liberdade pessoal. Noutras regiões, há formas mais silenciosas e sofisticadas de preconceito e oposição contra os crentes e os símbolos religiosos. Os cristãos são, actualmente, o grupo religioso que padece o maior número de perseguições devido à própria fé. Muitos suportam diariamente ofensas e vivem frequentemente em sobressalto por causa da sua procura da verdade, da sua fé em Jesus Cristo e do seu apelo sincero para que seja reconhecida a liberdade religiosa. Não se pode aceitar nada disto, porque constitui uma ofensa a Deus e à dignidade humana; além disso, é uma ameaça à segurança e à paz e impede a realização de um desenvolvimento humano autêntico e integral.[1]

De facto, na liberdade religiosa exprime-se a especificidade da pessoa humana, que, por ela, pode orientar a própria vida pessoal e social para Deus, a cuja luz se compreendem plenamente a identidade, o sentido e o fim da pessoa. Negar ou limitar arbitrariamente esta liberdade significa cultivar uma visão redutiva da pessoa humana; obscurecer a função pública da religião significa gerar uma sociedade injusta, porque esta seria desproporcionada à verdadeira natureza da pessoa; isto significa tornar impossível a afirmação de uma paz autêntica e duradoura para toda a família humana.

Por isso, exorto os homens e mulheres de boa vontade a renovarem o seu compromisso pela construção de um mundo onde todos sejam livres para professar a sua própria religião ou a sua fé e viver o seu amor a Deus com todo o coração, toda a alma e toda a mente (cf. Mt 22, 37). Este é o sentimento que inspira e guia a Mensagem para o XLIV Dia Mundial da Paz, dedicada ao tema: Liberdade religiosa, caminho para a paz.

Direito sagrado à vida e a uma vida espiritual

2. O direito à liberdade religiosa está radicado na própria dignidade da pessoa humana,[2] cuja natureza transcendente não deve ser ignorada ou negligenciada. Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 27). Por isso, toda a pessoa é titular do direito sagrado a uma vida íntegra, mesmo do ponto de vista espiritual. Sem o reconhecimento do próprio ser espiritual, sem a abertura ao transcendente, a pessoa humana retrai-se sobre si mesma, não consegue encontrar resposta para as perguntas do seu coração sobre o sentido da vida e dotar-se de valores e princípios éticos duradouros, nem consegue sequer experimentar uma liberdade autêntica e desenvolver uma sociedade justa.[3]

A Sagrada Escritura, em sintonia com a nossa própria experiência, revela o valor profundo da dignidade humana: «Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que lá colocastes, que é o homem para que Vos lembreis dele, o filho do homem para dele Vos ocupardes? Fizestes dele quase um ser divino, de honra e glória o coroastes; destes-lhe poder sobre a obra das vossas mãos, tudo submetestes a seus pés» (Sl 8, 4-7).

Perante a sublime realidade da natureza humana, podemos experimentar a mesma admiração expressa pelo salmista. Esta manifesta-se como abertura ao Mistério, como capacidade de interrogar-se profundamente sobre si mesmo e sobre a origem do universo, como íntima ressonância do Amor supremo de Deus, princípio e fim de todas as coisas, de cada pessoa e dos povos.[4] A dignidade transcendente da pessoa é um valor essencial da sabedoria judaico-cristã, mas, graças à razão, pode ser reconhecida por todos. Esta dignidade, entendida como capacidade de transcender a própria materialidade e buscar a verdade, há-de ser reconhecida como um bem universal, indispensável na construção duma sociedade orientada para a realização e a plenitude do homem. O respeito de elementos essenciais da dignidade do homem, tais como o direito à vida e o direito à liberdade religiosa, é uma condição da legitimidade moral de toda a norma social e jurídica.

Liberdade religiosa e respeito recíproco

3. A liberdade religiosa está na origem da liberdade moral. Com efeito, a abertura à verdade e ao bem, a abertura a Deus, radicada na natureza humana, confere plena dignidade a cada um dos seres humanos e é garante do respeito pleno e recíproco entre as pessoas. Por conseguinte, a liberdade religiosa deve ser entendida não só como imunidade da coacção mas também, e antes ainda, como capacidade de organizar as próprias opções segundo a verdade.

Existe uma ligação indivisível entre liberdade e respeito; de facto, «cada homem e cada grupo social estão moralmente obrigados, no exercício dos próprios direitos, a ter em conta os direitos alheios e os seus próprios deveres para com os outros e o bem comum».[5]

Uma liberdade hostil ou indiferente a Deus acaba por se negar a si mesma e não garante o pleno respeito do outro. Uma vontade, que se crê radicalmente incapaz de procurar a verdade e o bem, não tem outras razões objectivas nem outros motivos para agir senão os impostos pelos seus interesses momentâneos e contingentes, não tem uma «identidade» a preservar e construir através de opções verdadeiramente livres e conscientes. Mas assim não pode reclamar o respeito por parte de outras «vontades», também estas desligadas do próprio ser mais profundo e capazes, por conseguinte, de fazer valer outras «razões» ou mesmo nenhuma «razão». A ilusão de encontrar no relativismo moral a chave para uma pacífica convivência é, na realidade, a origem da divisão e da negação da dignidade dos seres humanos. Por isso se compreende a necessidade de reconhecer uma dupla dimensão na unidade da pessoa humana: a religiosa e a social. A este respeito, é inconcebível que os crentes «tenham de suprimir uma parte de si mesmos – a sua fé – para serem cidadãos activos; nunca deveria ser necessário renegar a Deus, para se poder gozar dos próprios direitos».[6]

A família, escola de liberdade e de paz

4. Se a liberdade religiosa é caminho para a paz, a educação religiosa é estrada privilegiada para habilitar as novas gerações a reconhecerem no outro o seu próprio irmão e a sua própria irmã, com quem caminhar juntos e colaborar para que todos se sintam membros vivos de uma mesma família humana, da qual ninguém deve ser excluído.

A família fundada sobre o matrimónio, expressão de união íntima e de complementaridade entre um homem e uma mulher, insere-se neste contexto como a primeira escola de formação e de crescimento social, cultural, moral e espiritual dos filhos, que deveriam encontrar sempre no pai e na mãe as primeiras testemunhas de uma vida orientada para a busca da verdade e para o amor de Deus. Os próprios pais deveriam ser sempre livres para transmitir, sem constrições e responsavelmente, o próprio património de fé, de valores e de cultura aos filhos. A família, primeira célula da sociedade humana, permanece o âmbito primário de formação para relações harmoniosas a todos os níveis de convivência humana, nacional e internacional. Esta é a estrada que se há-de sapientemente percorrer para a construção de um tecido social robusto e solidário, para preparar os jovens à assunção das próprias responsabilidades na vida, numa sociedade livre, num espírito de compreensão e de paz.

Um património comum

5. Poder-se-ia dizer que, entre os direitos e as liberdades fundamentais radicados na dignidade da pessoa, a liberdade religiosa goza de um estatuto especial. Quando se reconhece a liberdade religiosa, a dignidade da pessoa humana é respeitada na sua raiz e reforça-se a índole e as instituições dos povos. Pelo contrário, quando a liberdade religiosa é negada, quando se tenta impedir de professar a própria religião ou a própria fé e de viver de acordo com elas, ofende-se a dignidade humana e, simultaneamente, acabam ameaçadas a justiça e a paz, que se apoiam sobre a recta ordem social construída à luz da Suma Verdade e do Sumo Bem.

Neste sentido, a liberdade religiosa é também uma aquisição de civilização política e jurídica. Trata-se de um bem essencial: toda a pessoa deve poder exercer livremente o direito de professar e manifestar, individual ou comunitariamente, a própria religião ou a própria fé, tanto em público como privadamente, no ensino, nos costumes, nas publicações, no culto e na observância dos ritos. Não deveria encontrar obstáculos, se quisesse eventualmente aderir a outra religião ou não professar religião alguma. Neste âmbito, revela-se emblemático e é uma referência essencial para os Estados o ordenamento internacional, enquanto não consente alguma derrogação da liberdade religiosa, salvo a legítima exigência da justa ordem pública.[7] Deste modo, o ordenamento internacional reconhece aos direitos de natureza religiosa o mesmo status do direito à vida e à liberdade pessoal, comprovando a sua pertença ao núcleo essencial dos direitos do homem, àqueles direitos universais e naturais que a lei humana não pode jamais negar.

A liberdade religiosa não é património exclusivo dos crentes, mas da família inteira dos povos da terra. É elemento imprescindível de um Estado de direito; não pode ser negada, sem ao mesmo tempo minar todos os direitos e as liberdades fundamentais, pois é a sua síntese e ápice. É «o papel de tornassol para verificar o respeito de todos os outros direitos humanos».[8] Ao mesmo tempo que favorece o exercício das faculdades humanas mais específicas, cria as premissas necessárias para a realização de um desenvolvimento integral, que diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em cada uma das suas dimensões.[9]

A dimensão pública da religião

6. Embora movendo-se a partir da esfera pessoal, a liberdade religiosa – como qualquer outra liberdade – realiza-se na relação com os outros. Uma liberdade sem relação não é liberdade perfeita. Também a liberdade religiosa não se esgota na dimensão individual, mas realiza-se na própria comunidade e na sociedade, coerentemente com o ser relacional da pessoa e com a natureza pública da religião.

O relacionamento é uma componente decisiva da liberdade religiosa, que impele as comunidades dos crentes a praticarem a solidariedade em prol do bem comum. Cada pessoa permanece única e irrepetível e, ao mesmo tempo, completa-se e realiza-se plenamente nesta dimensão comunitária.

Inegável é a contribuição que as religiões prestam à sociedade. São numerosas as instituições caritativas e culturais que atestam o papel construtivo dos crentes na vida social. Ainda mais importante é a contribuição ética da religião no âmbito político. Tal contribuição não deveria ser marginalizada ou proibida, mas vista como válida ajuda para a promoção do bem comum. Nesta perspectiva, é preciso mencionar a dimensão religiosa da cultura, tecida através dos séculos graças às contribuições sociais e sobretudo éticas da religião. Tal dimensão não constitui de modo algum uma discriminação daqueles que não partilham a sua crença, mas antes reforça a coesão social, a integração e a solidariedade.

Liberdade religiosa, força de liberdade e de civilização:
os perigos da sua instrumentalização

7. A instrumentalização da liberdade religiosa para mascarar interesses ocultos, como por exemplo a subversão da ordem constituída, a apropriação de recursos ou a manutenção do poder por parte de um grupo, pode provocar danos enormes às sociedades. O fanatismo, o fundamentalismo, as práticas contrárias à dignidade humana não se podem jamais justificar, e menos ainda o podem ser se realizadas em nome da religião. A profissão de uma religião não pode ser instrumentalizada, nem imposta pela força. Por isso, é necessário que os Estados e as várias comunidades humanas nunca se esqueçam que a liberdade religiosa é condição para a busca da verdade e que a verdade não se impõe pela violência mas pela «força da própria verdade».[10] Neste sentido, a religião é uma força positiva e propulsora na construção da sociedade civil e política.

Como se pode negar a contribuição das grandes religiões do mundo para o desenvolvimento da civilização? A busca sincera de Deus levou a um respeito maior da dignidade do homem. As comunidades cristãs, com o seu património de valores e princípios, contribuíram imenso para a tomada de consciência das pessoas e dos povos a respeito da sua própria identidade e dignidade, bem como para a conquista de instituições democráticas e para a afirmação dos direitos do homem e seus correlativos deveres.

Também hoje, numa sociedade cada vez mais globalizada, os cristãos são chamados – não só através de um responsável empenhamento civil, económico e político, mas também com o testemunho da própria caridade e fé – a oferecer a sua preciosa contribuição para o árduo e exaltante compromisso em prol da justiça, do desenvolvimento humano integral e do recto ordenamento das realidades humanas. A exclusão da religião da vida pública subtrai a esta um espaço vital que abre para a transcendência. Sem esta experiência primária, revela-se uma tarefa árdua orientar as sociedades para princípios éticos universais e torna-se difícil estabelecer ordenamentos nacionais e internacionais nos quais os direitos e as liberdades fundamentais possam ser plenamente reconhecidos e realizados, como se propõem os objectivos – infelizmente ainda menosprezados ou contestados – da Declaração Universal dos direitos do homem de 1948.

Uma questão de justiça e de civilização:
o fundamentalismo e a hostilidade contra os crentes prejudicam
a laicidade positiva dos Estados

8. A mesma determinação, com que são condenadas todas as formas de fanatismo e de fundamentalismo religioso, deve animar também a oposição a todas as formas de hostilidade contra a religião, que limitam o papel público dos crentes na vida civil e política.

Não se pode esquecer que o fundamentalismo religioso e o laicismo são formas reverberadas e extremas de rejeição do legítimo pluralismo e do princípio de laicidade. De facto, ambas absolutizam uma visão redutiva e parcial da pessoa humana, favorecendo formas, no primeiro caso, de integralismo religioso e, no segundo, de racionalismo. A sociedade, que quer impor ou, ao contrário, negar a religião por meio da violência, é injusta para com a pessoa e para com Deus, mas também para consigo mesma. Deus chama a Si a humanidade através de um desígnio de amor, o qual, ao mesmo tempo que implica a pessoa inteira na sua dimensão natural e espiritual, exige que lhe corresponda em termos de liberdade e de responsabilidade, com todo o coração e com todo o próprio ser, individual e comunitário. Sendo assim, também a sociedade, enquanto expressão da pessoa e do conjunto das suas dimensões constitutivas, deve viver e organizar-se de modo a favorecer a sua abertura à transcendência. Por isso mesmo, as leis e as instituições duma sociedade não podem ser configuradas ignorando a dimensão religiosa dos cidadãos ou de modo que prescindam completamente da mesma; mas devem ser comensuradas – através da obra democrática de cidadãos conscientes da sua alta vocação – ao ser da pessoa, para o poderem favorecer na sua dimensão religiosa. Não sendo esta uma criação do Estado, não pode ser manipulada, antes deve contar com o seu reconhecimento e respeito.

O ordenamento jurídico a todos os níveis, nacional e internacional, quando consente ou tolera o fanatismo religioso ou anti-religioso, falta à sua própria missão, que consiste em tutelar e promover a justiça e o direito de cada um. Tais realidades não podem ser deixadas à mercê do arbítrio do legislador ou da maioria, porque, como já ensinava Cícero, a justiça consiste em algo mais do que um mero acto produtivo da lei e da sua aplicação. A justiça implica reconhecer a cada um a sua dignidade,[11] a qual, sem liberdade religiosa garantida e vivida na sua essência, fica mutilada e ofendida, exposta ao risco de cair sob o predomínio dos ídolos, de bens relativos transformados em absolutos. Tudo isto expõe a sociedade ao risco de totalitarismos políticos e ideológicos, que enfatizam o poder público, ao mesmo tempo que são mortificadas e coarctadas, como se lhe fizessem concorrência, as liberdades de consciência, de pensamento e de religião.

Diálogo entre instituições civis e religiosas

9. O património de princípios e valores expressos por uma religiosidade autêntica é uma riqueza para os povos e respectivas índoles: fala directamente à consciência e à razão dos homens e mulheres, lembra o imperativo da conversão moral, motiva para aperfeiçoar a prática das virtudes e aproximar-se amistosamente um do outro sob o signo da fraternidade, como membros da grande família humana.[12]

No respeito da laicidade positiva das instituições estatais, a dimensão pública da religião deve ser sempre reconhecida. Para isso, um diálogo sadio entre as instituições civis e as religiosas é fundamental para o desenvolvimento integral da pessoa humana e da harmonia da sociedade.

Viver no amor e na verdade

10. No mundo globalizado, caracterizado por sociedades sempre mais multiétnicas e pluriconfessionais, as grandes religiões podem constituir um factor importante de unidade e paz para a família humana. Com base nas suas próprias convicções religiosas e na busca racional do bem comum, os seus membros são chamados a viver responsavelmente o próprio compromisso num contexto de liberdade religiosa. Nas variadas culturas religiosas, enquanto há que rejeitar tudo aquilo que é contra a dignidade do homem e da mulher, é preciso, ao contrário, valer-se daquilo que resulta positivo para a convivência civil.

O espaço público, que a comunidade internacional torna disponível para as religiões e para a sua proposta de «vida boa», favorece o aparecimento de uma medida compartilhável de verdade e de bem e ainda de um consenso moral, que são fundamentais para uma convivência justa e pacífica. Os líderes das grandes religiões, pela sua função, influência e autoridade nas respectivas comunidades, são os primeiros a ser chamados ao respeito recíproco e ao diálogo.

Os cristãos, por sua vez, são solicitados pela sua própria fé em Deus, Pai do Senhor Jesus Cristo, a viver como irmãos que se encontram na Igreja e colaboram para a edificação de um mundo, onde as pessoas e os povos «não mais praticarão o mal nem a destruição (...), porque o conhecimento do Senhor encherá a terra, como as águas enchem o leito do mar» (Is 11, 9).

Diálogo como busca em comum

11. Para a Igreja, o diálogo entre os membros de diversas religiões constitui um instrumento importante para colaborar com todas as comunidades religiosas para o bem comum. A própria Igreja nada rejeita do que nessas religiões existe de verdadeiro e santo. «Olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, todavia reflectem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens».[13]

A estrada indicada não é a do relativismo nem do sincretismo religioso. De facto, a Igreja «anuncia, e tem mesmo a obrigação de anunciar incessantemente Cristo, “caminho, verdade e vida” (Jo 14, 6), em quem os homens encontram a plenitude da vida religiosa e no qual Deus reconciliou consigo mesmo todas as coisas».[14] Todavia isto não exclui o diálogo e a busca comum da verdade em diversos âmbitos vitais, porque, como diz uma expressão usada frequentemente por São Tomás de Aquino, «toda a verdade, independentemente de quem a diga, provém do Espírito Santo».[15]

Em 2011, tem lugar o 25º aniversário da Jornada Mundial de Oração pela Paz, que o Venerável Papa João Paulo II convocou em Assis em 1986. Naquela ocasião, os líderes das grandes religiões do mundo deram testemunho da religião como sendo um factor de união e paz, e não de divisão e conflito. A recordação daquela experiência é motivo de esperança para um futuro onde todos os crentes se sintam e se tornem autenticamente obreiros de justiça e de paz.

Verdade moral na política e na diplomacia

12. A política e a diplomacia deveriam olhar para o património moral e espiritual oferecido pelas grandes religiões do mundo, para reconhecer e afirmar verdades, princípios e valores universais que não podem ser negados sem, com os mesmos, negar-se a dignidade da pessoa humana. Mas, em termos práticos, que significa promover a verdade moral no mundo da política e da diplomacia? Quer dizer agir de maneira responsável com base no conhecimento objectivo e integral dos factos; quer dizer desmantelar ideologias políticas que acabam por suplantar a verdade e a dignidade humana e pretendem promover pseudo-valores com o pretexto da paz, do desenvolvimento e dos direitos humanos; quer dizer favorecer um empenho constante de fundar a lei positiva sobre os princípios da lei natural.[16] Tudo isto é necessário e coerente com o respeito da dignidade e do valor da pessoa humana, sancionado pelos povos da terra na Carta da Organização das Nações Unidas de 1945, que apresenta valores e princípios morais universais de referência para as normas, as instituições, os sistemas de convivência a nível nacional e internacional.

Para além do ódio e do preconceito

13. Não obstante os ensinamentos da história e o compromisso dos Estados, das organizações internacionais a nível mundial e local, das organizações não governamentais e de todos os homens e mulheres de boa vontade que cada dia se empenham pela tutela dos direitos e das liberdades fundamentais, ainda hoje no mundo se registam perseguições, descriminações, actos de violência e de intolerância baseados na religião. De modo particular na Ásia e na África, as principais vítimas são os membros das minorias religiosas, a quem é impedido de professar livremente a própria religião ou mudar para outra, através da intimidação e da violação dos direitos, das liberdades fundamentais e dos bens essenciais, chegando até à privação da liberdade pessoal ou da própria vida.

Temos depois, como já disse, formas mais sofisticadas de hostilidade contra a religião, que nos países ocidentais se exprimem por vezes com a renegação da própria história e dos símbolos religiosos nos quais se reflectem a identidade e a cultura da maioria dos cidadãos. Frequentemente tais formas fomentam o ódio e o preconceito e não são coerentes com uma visão serena e equilibrada do pluralismo e da laicidade das instituições, sem contar que as novas gerações correm o risco de não entrar em contacto com o precioso património espiritual dos seus países.

A defesa da religião passa pela defesa dos direitos e liberdades das comunidades religiosas. Assim, os líderes das grandes religiões do mundo e os responsáveis das nações renovem o compromisso pela promoção e a tutela da liberdade religiosa, em particular pela defesa das minorias religiosas; estas não constituem uma ameaça contra a identidade da maioria, antes, pelo contrário, são uma oportunidade para o diálogo e o mútuo enriquecimento cultural. A sua defesa representa a maneira ideal para consolidar o espírito de benevolência, abertura e reciprocidade com que se há-de tutelar os direitos e as liberdades fundamentais em todas as áreas e regiões do mundo.

Liberdade religiosa no mundo

14. Dirijo-me, por fim, às comunidades cristãs que sofrem perseguições, discriminações, actos de violência e intolerância, particularmente na Ásia, na África, no Médio Oriente e de modo especial na Terra Santa, lugar escolhido e abençoado por Deus. Ao mesmo tempo que lhes renovo a expressão do meu afecto paterno e asseguro a minha oração, peço a todos os responsáveis que intervenham prontamente para pôr fim a toda a violência contra os cristãos que habitam naquelas regiões. Que os discípulos de Cristo não desanimem com as presentes adversidades, porque o testemunho do Evangelho é e será sempre sinal de contradição.

Meditemos no nosso coração as palavras do Senhor Jesus: «Felizes os que choram, porque hão-se ser consolados. (...) Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. (...) Felizes sereis quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentido, vos acusarem de toda a espécie de mal. Alegrai-vos e exultai, pois é grande nos Céus a vossa recompensa» (Mt 5, 4-12). Por isso, renovemos «o compromisso por nós assumido no sentido da indulgência e do perdão – que invocamos de Deus para nós, no “Pai-nosso” – por havermos posto, nós próprios, a condição e a medida da desejada misericórdia: “perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”(Mt 6, 12)».[17] A violência não se vence com a violência. O nosso grito de dor seja sempre acompanhado pela fé, pela esperança e pelo testemunho do amor de Deus. Faço votos também de que cessem no Ocidente, especialmente na Europa, a hostilidade e os preconceitos contra os cristãos pelo facto de estes pretenderem orientar a própria vida de modo coerente com os valores e os princípios expressos no Evangelho. Mais ainda, que a Europa saiba reconciliar-se com as próprias raízes cristãs, que são fundamentais para compreender o papel que teve, tem e pretende ter na história; saberá assim experimentar justiça, concórdia e paz, cultivando um diálogo sincero com todos os povos.

Liberdade religiosa, caminho para a paz

15. O mundo tem necessidade de Deus; tem necessidade de valores éticos e espirituais, universais e compartilhados, e a religião pode oferecer uma contribuição preciosa na sua busca, para a construção de uma ordem social justa e pacífica a nível nacional e internacional.

A paz é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, um projecto a realizar, nunca totalmente cumprido. Uma sociedade reconciliada com Deus está mais perto da paz, que não é simples ausência de guerra, nem mero fruto do predomínio militar ou económico, e menos ainda de astúcias enganadoras ou de hábeis manipulações. Pelo contrário, a paz é o resultado de um processo de purificação e elevação cultural, moral e espiritual de cada pessoa e povo, no qual a dignidade humana é plenamente respeitada. Convido todos aqueles que desejam tornar-se obreiros de paz e sobretudo os jovens a prestarem ouvidos à própria voz interior, para encontrar em Deus a referência estável para a conquista de uma liberdade autêntica, a força inesgotável para orientar o mundo com um espírito novo, capaz de não repetir os erros do passado. Como ensina o Servo de Deus Papa Paulo VI, a cuja sabedoria e clarividência se deve a instituição do Dia Mundial da Paz, «é preciso, antes de mais nada, proporcionar à Paz outras armas, que não aquelas que se destinam a matar e a exterminar a humanidade. São necessárias sobretudo as armas morais, que dão força e prestígio ao direito internacional; aquela arma, em primeiro lugar, da observância dos pactos».[18] A liberdade religiosa é uma autêntica arma da paz, com uma missão histórica e profética. De facto, ela valoriza e faz frutificar as qualidades e potencialidades mais profundas da pessoa humana, capazes de mudar e tornar melhor o mundo; consente alimentar a esperança num futuro de justiça e de paz, mesmo diante das graves injustiças e das misérias materiais e morais. Que todos os homens e as sociedades aos diversos níveis e nos vários ângulos da terra possam brevemente experimentar a liberdade religiosa, caminho para a paz!

Vaticano, 8 de Dezembro de 2010.

BENEDICTUS PP XVI