sexta-feira, 14 de agosto de 2009

VOCAÇÃO CRISTÃ E VOCAÇÕES ESPECÍFICAS NA IGREJA: PARTE IV

Há, ainda, outros cristãos que, livremente, renunciam o bem da vida matrimonial, para se dedicarem incondicionalmente à busca do Reino de Deus. São os batizados que se sentem inspirados a se consagrarem a Deus na vida religiosa, professando os conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência. A origem da vida religiosa encontra-se na própria vida de Jesus. Ele também viveu a castidade, dedicando-se inteiramente ao Pai. Despojou-se de sua glória e permaneceu entre nós na humildade e pobreza, fazendo-se o servo de todos. Sendo o Filho eterno de Deus, fez-se também obediente até a morte, e morte de cruz (Fl 2,5-11). O religioso, portanto, deseja imitar a forma de vida do próprio Jesus Cristo. Como diz o apóstolo Paulo: “Sede meus imitadores, como eu o sou do Cristo” (1Cor 11,1), também os religiosos tomam como modelos de consagração aqueles que, ao longo da história, imitaram o próprio Jesus Cristo, entre os quais podem-se destacar São Bento, São Francisco de Assis, São Domingos, Santa Teresa D’Ávila, Santo Inácio de Loyola, São Vicente de Paulo, Bem-aventurada Madre Teresa de Calcutá. Surgem, assim, as diversas famílias religiosas, com espiritualidades próprias e carismas específicos, ou seja, uma forma peculiar de viver o Evangelho e de servir a Igreja, seja na vida contemplativa, seja na atividade apostólica. De fato, ninguém sozinho ou apenas uma família religiosa conseguiriam imitar de maneira perfeita todas as facetas da vida de Jesus Cristo. Apenas esta diversidade espiritual das várias famílias religiosas conserva viva na Igreja a riqueza de todas as virtudes do Senhor, totalmente consagrado à oração, totalmente entregue ao serviço da humanidade. Entretanto, além dos conselhos evangélicos, há outros elementos comuns entre as várias ordens ou congregações religiosas, entre os quais destacam-se a dedicação mais intensa à oração, tanto pessoal quanto litúrgica, bem como a vida fraterna. Os religiosos são chamados a viver em comunidade, sendo um só coração e uma só alma, como a primeira comunidade cristã de Jerusalém (At 2,42-47). Buscando a Deus de todo o coração e colocando em prática o preceito da caridade fraterna, os religiosos procuram viver com renovado ardor a própria consagração batismal, enquanto tornam-se testemunhas do Reino de Deus, instaurado entre nós pela vida, morte e ressurreição do Senhor. É bom recordar que a vida religiosa é igualmente vivida tanto por homens quanto por mulheres, sendo que, nas comunidades masculinas, há religiosos que também são ordenados sacerdotes. Por isso, distinguimos os sacerdotes religiosos, ou seja, aqueles que pertencem a algum instituto de vida consagrada, dos sacerdotes diocesanos, que permanecem diretamente ligados ao seu próprio bispo, em uma diocese específica.
Se a consagração batismal é o fundamento de todas as vocações, o empenho missionário pode ser visto como a conseqüência necessária de toda vivência vocacional. Isto porque ninguém é cristão apenas para si mesmo. O testemunho da verdade é uma dimensão integrante de toda a vida de fé. Durante sua vida pública, Jesus mesmo envia os discípulos para anunciarem o Reino de Deus. Comunica-lhes a mesma mensagem de conversão e os mesmos poderes que ele próprio recebeu do Pai (Mc 6,7-13). Após a ressurreição, o Senhor renova este envio missionário: “Ide por todo o mundo e anunciai o Evangelho a toda criatura” (Mt 28,16-20). Justamente por isso, o papa Paulo VI afirmava que a Igreja existe em função do anuncio da Palavra de Deus. A comunidade de fé é essencialmente missionária, e todos os batizados tomam parte neste testemunho evangélico. Atualmente, a Conferência Episcopal Latino-Americana, reunida em Aparecida, reafirmou justamente que todo discípulo de Jesus deve ser também missionário, anunciando a boa-nova da salvação antes pela própria vida, mas também pela palavra. Todo batizado deve sentir-se como o apóstolo Paulo, que exclamava: “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho” (1Cor 9,16). Contudo, há cristãos que recebem também uma vocação missionária específica, quando são enviados para anunciar o Evangelho a povos ou culturas que ainda não conhecem Jesus Cristo ou para renovar a vida cristã entre aqueles que já ouviram o Evangelho, mas não o colocam em prática. Esses missionários se inspiram no próprio exemplo do Filho de Deus que, no mistério da encarnação, assumiu nossa condição humana e entrou realmente em nossa história, a fim de nos anunciar a fidelidade e a misericórdia do Pai com palavras e gestos humanos. Da mesma forma, os missionários assumem uma atitude de profundo despojamento, ao viverem em outra cultura, a fim de anunciarem o Evangelho em uma linguagem inteligível àquelas pessoas. Fazem-se solidários nas alegrias e vicissitudes dos mais pobres, para se transformarem em presença viva do próprio Jesus, que viveu como servo de todos (Jo 13,14-15). Entretanto, o primeiro agente da evangelização é o próprio Espírito Santo, pois é ele quem desperta a fé naqueles que ouvem a Palavra, levando-os a reconhecer Jesus Cristo como o único salvador de toda a humanidade. É o Espírito quem mantém sempre vivo o Evangelho e renova todos com a graça sacramental. A obra missionária não é, pois, apenas um empreendimento humano. Antes, o missionário age sob o influxo do Espírito Santo, como afirma o próprio Jesus: “Quando vier o Espírito da verdade, ele dará testemunho de mim, e vós também dareis testemunho” (Jo 15,26). Atualmente, este trabalho missionário é desempenhado na Igreja por sacerdotes, religiosos, leigos e até mesmo casais.
A vocação, portanto, é sempre uma iniciativa de Deus, que livremente escolhe, chama, consagra e envia o vocacionado para a realização de alguma obra em favor da Igreja e do mundo. Deus não nos chama por nossos merecimentos, antes é o próprio chamado divino que nos capacita para a missão. Isto é o que afirma também Jesus, ao dizer aos apóstolos: “Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi e vos constitui, para que produzais frutos. Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5.16). Os frutos vocacionais, entretanto, dependem também da generosidade com que respondemos ao chamado divino, pois o Senhor sempre respeita nossa liberdade. Chamados à vida e consagrados como filhos de Deus pelo Batismo, encontraremos a verdadeira felicidade à medida que estivermos dispostos a abraçar as necessárias renúncias, para sermos fiéis à vocação específica que recebemos, como leigos, na vida matrimonial, no ministério sacerdotal, na consagração religiosa ou no serviço missionário. Que, neste mês vocacional, o Espírito Santo nos conceda o dom do discernimento, para respondermos àquela pergunta tão fundamental: “Senhor, o que queres que eu faça?” (At 22,10).


Dom Cláudio da Silva Corrêa, OSB
Mosteiro de São Bento, São Paulo

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui o seu recado: